sábado, 4 de fevereiro de 2012

Da turba à toga

Repetindo a rotina matinal, abro o jornal e leio as manchetes do dia. Não sem uma má vontade confessa. Salvo exceções, esse ritual tem tornado o meu café da manhã cada vez mais amargo. A lama que transborda das páginas contamina o sabor da refeição. Mais eis que hoje, exulto: a corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, saiu vitoriosa após  batalha travada  durante três meses, por conta da tentativa do STF de cassar os direitos atribuídos ao CNJ de investigar os desvios de conduta dos magistrados. Não só essa mulher que muito nos orgulha vence o corporativismo que se alastrou na in-justiça brasileira, mas, acima de tudo, vencemos nós, a opinião pública que, finalmente, fez valer sua indignação.

Todos os  atentados  à nossa dignidade e inteligência vêm de longa data. Há poucos meses atrás, o ministro Luis Fux, do STF declarou um voto que ia contra o clamor popular pela aplicação da Lei, em “respeito à Constituição”.Perfeito. Mas como fica o respeito ao cidadão que paga suas contas em dia? Não se esqueçam que alguns nazistas ao serem julgados em Nuremberg, quando perguntados porque  fizeram tudo aquilo, responderam, através de um imperativo categórico que excluía toda e qualquer reflexão, que apenas cumpriam o seu dever.

A mesma indignação nos assaltou tempos atrás quando um outro ministro, desse mesmo tribunal, respondendo às criticas relativas à sua decisão de liberar os bicheiros investigados numa Operação da Polícia Federal, disse que “pouco se importava com o barulho da turba, de acordo com seu convencimento.” Nada tão surpreendente, que soe tão estranho assim, na medida em  que esse tipo de desprezo que ele expressou pela opinião pública, tem sido a tônica das decisões de, no mínimo, seis representantes  do STF. Lembro-me que a palavra “turba”, na ocasião, me capturou. Fui ao Wikipédia e confirmei minhas suspeitas: turba, entre outras coisas, é uma “multidão desordenada.”

Não há café que desça. Além de ter que engolir as decisões absurdas e descontextualizadas dos Senhores da Lei, que são incapazes de, no seus julgamentos, levar em consideração os apelos da população por uma aplicação mais rigorosa da legislação, temos que ser incluídos entre os “desordenados”.

Ora, senhores, isso é  abusar demais de nossa paciência. Afinal, em termos de “desordenação” seus companheiros da Justiça e do Congresso estão imbatíveis. Por mais que nos esforcemos, jamais chegaremos perto do desempenho e da união que eles têm demonstrado para ser uma turba. Diante de todos os fatos políticos vergonhosos que tem acontecido nesse país, estamos muito mais para ovelhas que vão passivamente para o matadouro do que para turba.

Em dezembro de 2004, numa entrevista ao O Globo, Giorgio Agambem, ao falar de suspensão da lei, disse que estamos vivendo hoje, a falência de todo e qualquer estatuto jurídico. Segundo ele, as políticas contemporâneas  acabaram com o que chamamos de um “corpo político.”

Freud, em “O Futuro de uma Ilusão”,  dizia que “as massas podem ser induzidas ao trabalho e a suportar as renúncias que a existência impõe, se forem influenciadas por indivíduos que possam fornecer um exemplo e a quem reconheçam como líderes. Tudo correrá bem se esses líderes forem pessoas com uma compreensão interna (insight) superior das necessidades da vida e que se tenham erguido à altura de dominar seus próprios desejos instituais”.

Tanto Agambem quanto Freud   falavam  da passividade das massas.

Será que Vossas Excelências  leram Hannah Arendt ?

Também em sua obra poderiam encontrar a possibilidade de uma série de reflexões sobre suas decisões. Em “Responsabilidade e Julgamento”, por exemplo, os senhores poderiam se deparar com a seguinte questão : “O que acontece à faculdade humana de julgamento quando confrontada com ocorrências que significam o colapso de todos os padrões costumeiros e, assim, não possuem precedentes, no sentido em que não são previstas nas regras gerais, nem mesmo como exceções a essas regras?”

Enfim, senhores  ministros não vou me estender, pois o espaço é pequeno.

O que quero lhes dizer, fundamentalmente, em meu nome próprio e de todas as pessoas dignas e decentes desse país, é que hoje a turba lavou a alma e que ao julgarem, tomem cuidado com o seu “convencimento”. O CNJ está aí....

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