quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

FÉRIAS EM MANAUS


 Após um longo período, eis me de volta a esse espaço.
E penso que é interessante como o vejo. É como se de fato ele demandasse de mim um tempo único, dedicado, feito de exclusividades. Não me permito sentar e escrever apenas porque tenho um blog. A escrita  é um ritual para mim tão sagrado, de tanto prazer, que não sinto vontade de dividi-lo com mais nada. E como estive tomada por outros apelos, só agora me debruço, mais uma vez , sobre as letras e as palavras, que se mostram precárias para descrever as férias em Manaus, onde me banhei, não só no Rio Negro, mas, também, no excesso de amor que só quem tem o privilégio de ter uma família amazonense conhece.Acolhimento e calor humano, senso de humor e ironia, tudo junto e misturado com muita comilança e risadas mergulhadas em bandejas de tambaqui na brasa, pirarucu picadinho com farinha de ariri, tucunaré , cupuaçu, buriti, tapioca no café da manhã, praia do japonês no meio da selva, com areia branquinha como se fosse mar. E doces tão doces, como a imensa doçura que as pessoas de lá carregam na alma. Preciso ir sempre à Manaus...É uma questão de compromisso com a vida. Lá, ela sobra...é só ler HISTÓRIAS NÃO REGISTRADAS, de João Bosco B.Araújo. Vocês vão entender....

Comentário: shehryar anwer deixou um novo comentário sobre a sua postagem "FÉRIAS EM MANAUS": 
HISTÓRIAS NÃO REGISTRADAS

João Bosco Araújo*


Conversando “miolo de pote” com a prima querida, nascida e criada no Rio de Janeiro, fora da minha vista havia muitos anos, regozijava-me com seu riso solto e ruidoso, a cada “causo” contado, todos eles ligados ao “folclore baré”, geralmente impregnado da leseira, também baré.
Quebrou o ritmo do papo a sua insistente sugestão de que eram fatos que precisavam ser registrados em livro. Na verdade, acho eu, não mereceriam um livro e nem um livro os mereceria. Quem sabe, quando muito, poderiam passar de miolo de pote a miolo de um folheto de cordel, daqueles que os nordestinos produzem em abundância. 
De qualquer forma, como a uma prima fraterna que esteve indelevelmente presente na minha história de vida não é possível simplesmente recusar algo, cedo aqui ao seu capricho e registro alguns desses episódios hilários, a priori pedindo perdão a algum familiar dos personagens que venha a se ofender. Fique a certeza de que não houve outra intenção, senão a de agradar à prima. 
EPISÓDIO I – O barbeiro Colares, lá da Rua Henrique Martins, que tinha entre os seus clientes o interventor Álvaro Maia, soube que o governante viajaria à Itália e seria recebido, no Vaticano, por Sua Santidade, o Papa Pio XII. Como o barbeiro tinha um filho ordenado padre, esperou a costumeira visita de Álvaro para pedir-lhe que intercedesse junto ao Papa a fim de conseguir para o filho uma promoção a bispo. O “Cabeleira”, como bom político, prometeu fazer o pedido, mas, naturalmente, logo esqueceu o prometido.
Quando retornou, Álvaro Maia foi cobrado na primeira visita à barbearia e não hesitou: - “Ocorreu que quando me ajoelhei para beijar o anel do Papa, S.S. passou a mão na minha cabeça e falou: Álvaro, que cabelo mal cortado! Com isso, não tive mais condição para fazer o pedido...”.
EPISÓDIO II – Gilberto Mestrinho, governador, dava uma entrevista numa televisão em S. Paulo a uma jornalista e defendia a caça aos jacarés, a fim de incrementar a exportação das valiosas peles. Arguido sobre o risco de extinção da espécie, afirmou com segurança que só no lago de Nhamundá havia 38.000 jacarés. Prosseguiu a entrevista e a moça perguntou sobre os yanomamis, que já tinham sido cerca de 200.000 e hoje seriam menos de 10.000. Foi quando o governador perguntou sobre quem tinha contado esses índios e a jornalista prontamente respondeu: - “A mesma pessoa que contou os seus jacarés”.
EPISÓDIO III – Cônego Alcides Peixoto, como de praxe, escolheu um caboclo encorpado para ser o Jesus na Paixão de Cristo que encenava anualmente na Praça da Igreja, em Itacoatiara. Dadas as instruções, quando, sob o sol insuportável, antes da morte, o Cristo pediu água, o lanceiro embebeu a esponja em cachaça para dar forças ao ator, espetou-a na lança e gritou: - “Queres água, toma fel”. Jesus sugou a esponja e gemeu do alto da cruz: -“Mais fel!”.
EPISÓDIO IV – Ah, prima, esqueci daquele governador que pediu sal ao RG do Norte e, ao receber em seu lugar uma carga de cal, lamentou publicamente: - “P... esqueci a cedilha”.
Aí vai, querida prima, alguma coisa do que pediste. O que foi possível, depois de muito espremer, botar neste exíguo espaço.


*Diretor Executivo do Amazonas EM TEMPO.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

O Papa,  a chuva e a lama                                                                                                                          
Uns chamam de coincidência, outros de destino, outros de acaso.
Ou como disse Shakespeare:
"Entre o céu e a terra existem muito mais coisas do que a nossa vã filosofia pode supor".
Seja lá o que for, é incrivel tudo que vem acontecendo nessa cidade nos últimos meses. Passeatas, manifestações, garra, revolta, pedradas, gas  lacrimogênio com bandeiras ao léu, cassetetes e "sou brasileiro , com muito amooooooorrrrrr". Na chuva, na lama, ou numa casinha de sapê , debaixo desse céu risonho e límpido , "desculpem o transtorno, estamos reformando o país."
E como se fosse pouco, veio o Papa,enchendo mais uma vez as ruas, as praias, o mundo todo assistindo de camarote a força da natureza humana expressada no rosto de uma multidão sedenta de ética, decência, humildade e respeito. VIva Francisco, com sua sutileza cortante e contrastante com as caras de pau reinantes que se acotovelam para sair bem na fita que, mais do que queimada, está poída.

Tem problema, não. A chuva lavou  a sujeira, a lama simbolizou a nojeira e o vento frio carregou para bem longe nossa desesperança e leseira. O som fantástico ouvido por quem atravessava à pé o  túnel em Copacabana,  trazia junto a certeza  de que a Torre da  Babel que invadiu o Rio por uma semana, é apenas um sinal de que uma outra linguagem está se constituindo nesse país e que novos tempos estão chegando, varrendo figuras nefastas que não merecem sequer os guardanapos que usam nas cabeças.São as águas de julho lavando o invernão e a promessa de vida em nosso coração.

Angela Villela
Psicanalista (prosafreudiana.)

sábado, 6 de julho de 2013

HANNAH, FREUD E O BRASIL CONTEMPORÂNEO


            Acabo de sair do cinema com o coração ainda arrebatado pela figura emblemática de Hannah Arendt e pensando na coincidência deste filme ser lançado exatamente neste momento político tão significativo para o Brasil.
         ”O homem perdeu a fé em si mesmo como parceiro de seus pensamentos.
          Essa frase dita por Hannah expressa o cerne de sua batalha e é o foco do filme. Ela foi execrada ao afirmar que Eichmann era um simples homem medíocre, que perdera a capacidade de pensar, ao dissociar sua consciência moral de seus atos bárbaros. Ao ser julgado, ele alegou que “apenas cumpria seu dever” e a interpretação dela foi vista pelos judeus como uma absolvição do carrasco nazista. No entanto, o que ela fez foi apenas exercitar seu pensar, procurando entender o que levou aquele homem a não sentir culpa pelas monstruosidades que praticou. Ele era um mero burocrata alienado de qualquer possibilidade reflexiva. O privilégio do ato de pensar se impôs na escrita de Hannah e ela pagou um preço altíssimo por isso. Não é por uma questão aleatória que sua obra está provocando, além do filme, vários artigos e a busca de seus livros e sim, porque poucos pensadores políticos podem ser considerados tão visionários quanto essa extraordinária mulher, quando se trata de refletir sobre a movimentação popular contemporânea, face à política brasileira.. Envolvida pelos acontecimentos extremos de seu tempo, Arendt se chocou com a alienação e não se deixou paralisar. Pelo contrário, ao invés de uma posição contemplativa, escolheu o pensar como ação e modo de existência, produzindo uma obra fantástica que até hoje é um dos instrumentos mais fortes de reflexão sobre o espaço político. Sua escrita é o exemplo vivo de sua atividade, diante da tentativa de calar as vozes que denunciavam o progressivo surgimento de uma “estranha espécie de humanidade”. O vazio de autoridade e o abismo vertiginoso entre o governo e os anseios populares que vivemos hoje, tornam-se mais assustadores ainda, ao contato com o pensamento de Hannah Arendt, por sabermos os  desdobramento desse estado de coisas.. Ela sabia que o distanciamento entre as instituições públicas e o homem comum era o caminho mais curto para a alienação. e que o uso do poder de forma perversa e abusiva, era um forte instrumento de manipulação  e inibição  do  livre pensar do homem.  Nascida em 1906, em plena Alemanha fragmentada, constituiu como uma de suas atividades mais contundentes, a incansável tentativa de entender as bases que desencadearam o totalitarismo. Ao denunciar a usurpação obscena da verdadeira política, ela produziu, como poucos, uma análise “mediúnica” dos acontecimentos contemporâneos. É como se ela estivesse vivendo o nosso aqui e agora, nos alertando para o fato de que a ausência do verdadeiro pensar-político pode ser a lacuna ideal para uma tragédia maior. Havia nela uma impaciência com os intelectuais de sua época, que pareciam não enxergar as evidências e a gravidade do que estava acontecendo. Ela cobrava deles uma posição diante da dolorosa constatação de que uma acelerada transmutação de valores e quebra de tradições estava mudando o curso da história. E isso a apavorava. Ela intuia que nessa descontinuidade, morava o risco da perda de toda e qualquer dignidade do domínio político e que era preciso uma ação radical que interditasse o que ela, com toda propriedade, intitulou de “banalidade do mal”. A corrupção no Brasil e a impunidade reinante são exemplos perfeitos dessa expressão. “As Origens do Totalitarismo” (1951) e “A condição humana” (1958 ), funcionam como legado de sua obra e fonte inesgotável para se pensar nossa época, plena de questões extremamente perturbadoras.      
        Tanto Freud como Hannah se inseriram na história através de um pensamento critico, contribuindo de forma inestimável para o atravessamento dos discursos políticos. Na atualidade, Giorgio Agambem alerta que uma democracia só sobrevive se o seu fundamento, o povo, enquanto corpo político,  estiver atento e ativo. Segundo ele, as novas relações biopolíticas entre indivíduos e Estado transformaram o que se convencionou chamar de povo, em população. A massa que invadiu as ruas do país, finalmente saiu desse lugar e mostrou que não está disposta a se submeter mais aos desmandos vergonhosos dos podres poderes. Freud, em “ O Futuro de uma Ilusão” dizia que “as massas podem ser induzidas ao trabalho e a suportar as renúncias que a existência impõe, se forem influenciados por indivíduos que possam fornecer um exemplo e a quem reconheçam como líderes”. A percepção profunda dele sobre as massas não tinha um caráter moral. Ele estava pensando em intensidades e já antevia que essas forças, à deriva, poderiam ganhar formas expressivas revolucionárias por conta de sua potência e indeterminação. Freud e Marx nos ensinaram que toda e qualquer teoria não tem validade se não for a expressão de uma prática social, continuamente refletida e interrogada e os principais conceitos freudianos não podem estar circunscritos, apenas, aos limites do psiquismo individual. É preciso se apropriar deles para a compreensão dos atuais fenômenos e dos elementos essenciais sobre a natureza  do vínculo social,. Derrida, numa de suas visitas ao Brasil, enfatizou o quanto precisamos repolitizar as coisas, já que o político não se reduz ao Estado. É preciso criar um novo conceito de política e que em oposição à soberania do Estado, a Psicanálise deveria defender a soberania do sujeito. Que os psicanalistas tomem para si esse alerta, entrando na cena política através do que ela tem de mais precioso, que é a capacidade de propiciar reflexões. Inclusive, para além dos divãs. 
  
                                                                  
                                             

quinta-feira, 9 de maio de 2013

A CERTEZA DA IMPUNIDADE E OS DIREITOS HUMANOS


Era um dia como outro qualquer. Acordou, tomou café, viu um pouco de tv, arrumou a mochila, almoçou  e saiu para o colégio. Havia marcado o de sempre com os amigos: se encontrariam às 12h no ponto do Humaitá e pegariam  o  570.  Lá  chegando, porém, constatou que era o primeiro. Sentou-se calmamente  num banquinho, ipod no ouvido, ligado na música e na espera da galera. De repente,  um corpo estranho e uma voz desconhecida atravessaram sua quietude.
"Me  passa  isso aí, moleque".
Ainda desconectado do que acontecia, foi passando o aparelhinho, enquanto percebia, simultaneamente, que haviam  mais duas figuras no bando que, de certo, não era o seu. O segundo comando era de que entrasse rápido no ônibus que havia parado no ponto, naquele exato momento. Diante da alegação de que aquele não era o seu ônibus, ouviu:
 "Entra nesse mesmo, senão te encho de porrada".  Entrou, mas não se acomodou, não aceitou a usurpação, o delito, a humilhação.
No ponto seguinte  saltou e começou a correr de volta para o mesmo local. Precavido, atravessou a rua e, à distância, percebeu que os três continuavam no mesmo lugar. Pegou o celular que havia escapado ao assalto dentro da mochila, ligou para o 190 e em seguida para o pai, relatando o que havia acontecido. Por  milagre , a polícia apareceu em cinco minutos e prendeu os "rapazes". Com o pai, foi para a delegacia fazer um B.O. Através do vidro que o preservava de ser visto, reconheceu os assaltantes, que tinham 16, 17 e 18 anos. Um pouco mais do que ele.
Dessa forma, meu neto exerceu seu direito mais do que humano de reaver o que lhe cabia por direito, escapando, espertamente, da cultura do medo que nos torna reféns em qualquer parte desse país, onde  a substituição de uma justiça punitiva por uma impunidade progressiva, recoberta  por um assistencialismo político manipulatório, tornou o delito uma eterna “circunstância sócio-psicológica”. É a célebre banalidade do mal , cunhada por Hannah Arendt , que torna a vida tão opressiva. Vamos que nem gado para o matadouro todo dia, aceitando a sina e as regras do jogo social alienante. Vão-se os tênis, celulares,o dinheiro ganho com o suor do trabalho, mas ficam  os dedos. Desse  assujeitamento, dessa adaptação, M.... escapou. Na contramão da violência imposta, com inteligência e cuidado de si, subverteu as regras desse jogo,  feito da falta de medidas justas e cabíveis, que tem a ver com a perversão, a obscenidade política e o desrespeito à cidadania. Sim , porque o Estado e suas leis não pensam nele e em outros jovens que são acuados em seu cotidiano.
Muito se tem discutido nesses últimos dias, diante da violência deflagrada nas ruas, se a maioridade penal deve ser antecipada. Se tivéssemos a garantia de que esses menores teriam uma inserção social compatível com a dignidade que qualquer ser humano faz jus, ou seja , educação, cuidados e assistência psicológica e médica, certamente não estaríamos aqui radicalizando e clamando por justiça. Mas é, exatamente, porque conhecemos esse vácuo deixado pelo governo e a certeza de que esses cuidados não acontecerão, pelo contrário, só veremos fachadas e tapumes das "sujeiras" que assolam a cidade, que esse clamor está ganhando força. Ontem, 21/5, um leitor  do Globo deu uma sugestão que considero perfeita: que o comandante do 23ºBPM  deixasse seu filho na rua, nos horários e locais em que a polícia sabe que os assaltos estão ocorrendo. Não há direitos humanos para quem simplesmente quer ir e vir de casa para a escola ou para o trabalho.Quem sabe assim ele teria uma experência mais visível e concreta de como está difícil caminhar nas ruas dessa cidade ainda partida. Isso sem contar as bicicletas roubadas..... Não há direitos humanos para quem simplesmente quer ir e vir.
Quero saber se o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) inclui meus netos.Quem os protege? Em poucos meses esses pivetes estarão no mesmo ponto. Quem protege as  milhares de mulheres honestas, que indo e vindo horas a fio, dentro de ônibus lotados para seus trabalhos, se arriscam  a serem violentadas?  Quem protege os aposentados, que ao retirarem a “fortuna “ que o governo lhes paga, são derrubados covardemente na porta dos bancos? A crueldade impera e o ECA....neca.
Os  ingleses  tem uma expressão perfeita para definir o que vivemos nesse país de fachada inescrupulosa: “disgusting”!
De resto, que orgulho ver esse neto aprender a sobreviver  numa terra  de leis absolutamente deturpadas, sendo, porém,  minoria,  segundo estatísticas que demonstram quantos outros sucumbiram, por conta da ignorância, da  injustiça  e da omissão dos podres poderes. Uma tragédia social que nem a luminosidade deslumbrante outonal consegue apagar.
Só mais um detalhe: pagamos impostos que vão para onde, por sinal?

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Ah, Hollywood...

Como todo e qualquer cinéfilo que se preze, lá estava eu domingo, com os olhos pregados na telinha para assistir a mais uma premiação do Oscar. Nesse ano, ao contrário dos outros em que simplesmente acompanho para não perder o hábito, havia uma razão mais consistente: queria torcer por Emmanuellle Riva, que sempre foi, para mim, um ícone, uma referência do que chamamos de “feminilidade”. Essa palavra se distingue de “feminino” que é ligado ao gênero e tem em seu bojo uma conexão com àquilo que se diferencia do fálico, do poder. Com sua elegância e classe, Emmanuelle exala delicadeza e força, traços que remetem à Fernanda Montenegro, nossa mais completa tradução artística.São tipos de beleza diferentes de Jane Fonda, por exemplo,que parece ter atravessado incólume o tempo, com seu corpinho de 30, no máximo e sua altivez de garça, que paira acima da degradação comum a todos os corpos.Jane “jantou” muitas atrizes jovens que desfilaram no tapete vermelho, com sua ousadia e charme. Voltando à premiação, que decepção. Entre todas as candidatas, óbvio que a que tinha o perfil mais clichê caiu nas graças dos poderosos produtores da máfia hollywoodiana. Ela estava programada para vencer e ocupar o lugar de queridinha da América, do “lado bom da vida”. Vestida para ser alçada à categoria de “estrela”, foi traída por seu inconsciente, que colocou-a de joelhos, aos pés do palco onde deveria ser o lugar de sua glória. Foi uma queda concreta e simbólica das injustiças produzidas pela máquina e pelos interesses financeiros da indústria cinematográfica. Não acho seu trabalho ruim, não tiro a qualidade dele, apenas parece que é tão infinitamente inferior à grandeza da composição do personagem de Madame Riva, da profundidade que a presença desta mulher suscita no espectador, que soa ridícula a escolha da academia (com letra minúscula de propósito.) O mesmo aconteceu com a nossa grande dama, Fernanda, que concorreu com “Central do Brasil” defendendo seu papel com uma interpretação leonina.Ganhou uma inexpressiva Gwyneth Paltrow, com um “Shakespeare apaixonado” e medíocre. Na ocasião, fui tomada pelo mesmo desprezo relativo aos critérios das escolhas oscarizadas. ”Disgusting”, dizem os ingleses. “Marmelada”, dizemos nós popularmente aqui. Vida longa para Madame Riva e nossa imensa Sra. Montenegro, que traduzem, como poucas, as dores e padecimentos da alma. A grande arte merece as duas. E nós também.O resto...é o resto.

COMENTÁRIOS
cara angela,
concordo totalmente com voce
eu vi a expressão da emanuelle riva na hora - disse tudo
um espanto, um patético instante do pior da cultura pop americana,
como foi disgusting ver um filme de ação ok
derrotar o django ou mesmo a história de pi - que tem muito mais ambição artistica e, por que não ? comercial - e a realizaram
o oscar é um circo de luxo e cafonice
e, muito, muito provinciano
bjs
nelson motta





quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

FACES ON THE BOOK

Dia desses, ao acaso, um livro chamado “# Vertigem Digital” veio parar em minhas mãos. Ele foi escrito por um dos empresários pioneiros do Vale do Silício, Andrew Keen, que de forma surpreendente, ao invés de “vender seu peixe” ,questiona e investiga profundamente, as transformações produzidas nas subjetividades contemporâneas a partir da sobrecarga desse excesso de conexão e informação,a ponto de afirmar que as redes sociais estão “fragilizando, dividindo e desorientando seus usuários”. O título do livro não é aleatório, pois é à uma outra ordem de vertigem que Keen se remete: à Hitchcock e seu filme “Vertigo, em português “ Um corpo que cai”. Através de uma linguagem acessível, o autor ousa se lançar num outro extremo de seu mercado e mergulhar numa análise absolutamente crítica dos estragos existenciais constatados por essa superexposição. Ele caminha numa espécie de contrafluxo de seus interesses comerciais e traz à cena uma contribuição impecável e preciosa para nós, psicanalistas, das entranhas dessa “epidemia de partilhamento exagerado”que assola o mundo. Ironicamente, ainda, ele afirma que Mark Zuckerberg ,ao realizar seu delírio de acabar com a solidão humana, afirmando que “não importa onde vc vá, queremos garantir que toda experiência que vc tenha seja social”, ignora a necessidade intrínseca de alguns seres de ficarem sós, além de montar a mais assustadora máquina de espionagem transformando em realidade os sonhos da CIA. Nunca tantas informações particulares circularam com tal facilidade. Dados pessoais, interesses, perspectivas, hábitos, paixões, confissões,traições, pontos de vista, objetivos, enfim, a história de vida de milhares de pessoas passou a ser acessada com um clique.O surto- narcisista- desesperador dos desamparados da vez, colocou na rede a mais completa base de dados sobre as pessoas, transformando em amadoras, as mais tradicionais táticas de controle já elaboradas. Dos hábitos sexuais à mais banal notícia, como a comida que alguém está digerindo naquele momento, a foto da viagem do cachorrinho da vizinha, tudo que não interessa a ninguém a não ser àquele que faz a postagem, deram à comunicação, uma transparência de caráter totalmente ilusório, maníaco e fútil, salvo raras exceções. São várias as faces e as máscaras navegantes. São múltiplas as personas à deriva, é chocante a falta de um mínimo de bom senso, às vezes. Como diz. Andrew Keen, “a sociedade em rede se tornou um bacanal transparente, uma orgia de compartilhamentos” Entre tantas questões levantadas por @ajkeen, fica difícil a tarefa de decidir qual delas priorizar, em termos de contribuiçáo à teorização clínica. Que a tecnologia digital aplicada por Zuckerberg veio para esmagar uma das coisas mais sagradas da vida, a privacidade, parece claro para muitos, mas o que de fato se quer aqui abordar, é o quanto exalam na rede o vazio,o sofrimento,as feridas narcísicas,as fragilidades egóícas, o masoquismo,o sadismo e muita, muita solidão. Evidentemente, que paralelo à esses sintomas muita coisa boa acontece. As redes retratam o que há de mais humano na vida, o bem e o mal. Tanto podem ser zonas de perigo, como o paraíso para quem quer ganhar visibilidade, conhecimento e amigos. É um lugar onde, legitimamente, os encontros se fazem? Óbvio! É um recurso, uma ferramenta para trocas de idéias? Claro! Mas é também um campo fértil para as perversões, para as compulsões, para as paranóias e outras sintomatologias. As pessoas se dilaceram no uso das redes,quando se trata de relações amorosas destrutivas, mas em compensação têm ganhos secundários, gastando seus excessos pulsionais, preenchendo crateras e atingindo alvos fáceis.O exercício compulsivo da exterioridade lançou para um lugar bem distante a possibilidade de constituição de uma interioridade mais consistente.Todos ficam fora de si, literalmente voltados para além das suas profundezas, porque essa tempestade de informações vem a serviço, também, de uma certa ignorância sobre si mesmo, de um distanciamento daquilo que não se quer saber.É mais fácil jogar na rede, o que vier é peixe. Assim como todo exterior lhe oculta o interior,todo ser é com efeito tão irredutível à soma de suas aparências, que tudo que vemos dele pode não exprimir nenhuma verdade a seu respeito . É com essa multiplicidade de faces que lidamos no book. Assisti, recentemente, a uma excelente entrevista na Globo News com um rabino, Adin Steinsaltz, homem sábio. Transcrevo, aqui, algumas considerações feitas por ele face aos excessos que nos assolam:"Temos cada vez mais poder e menos sanidade", referindo-se ao absurdo fluxo de informações que chega até nós ."Um pouco de chuva é bem vinda.Seu excesso causa desastres, desabamentos. Mesmo para um homem sábio e culto , a melhor coisa a fazer é nunca responder, nem afirmar. Nenhum sabichão está livre de falar a grande besteira da vida.O único caminho sábio para ficar sempre bem na fita, portanto, é o silêncio voluntário. Não como forma de protesto, mas como forma de defesa contra o inevitável vexame que está permanentemente à espreita" .Steinsaltz denuncia a banalização da palavra e alerta para o ridículo que pode advir dessa falta de cuidado de si, dessa ânsia de aparecer, desse nível de mediocridade. Em “Cartas à Theo”, Van Gogh, sem jamais imaginar o valor que seus trabalhos teriam no futuro, manda um recado às “celebridades” atuais: “Pois bem, este é o meu forte, fazer um homem tosco numa única sessão,Assim fazendo será que eu ganharia tanto como artista quanto perderia como homem?Se eu acreditasse nisso, seria um maluco famoso, mas como você pode ver, não tenho suficiente ambição por este tipo de glória para pôr lenha na fogueira”.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

UMA CASA NO CAMPO

Após um acúmulo de atividades que tornou meu corpo um cenário perfeito de exaustão,sobraram estilhaços que cheirando a suor e cansaço, só ansiavam por uma possibilidade: minha casa no campo,para onde eu pudesse levar meus discos e livros e essa vontade absurda de dormir, dormir, dormir, dias e noites emaranhados, como uma eremita em sua caverna, desfrutando do silêncio, do frescor que habita essa casa e que minha alma precisava, desesperadamente, experimentar.Longe dos excessos e do calor senegalesco desse fim de ano no Rio, minha aspiração maior tornou-se uma outra ordem de escuta, propiciada pelas escandalosas maritacas que devoraram a fiação do telhado, os festivos sabiás e beija-flores equilibristas. Na rede, na varanda, na grama, tudo o que queria era paz e contemplação de hortências associadas a verdes múltiplos em sua exuberância de época. Com um pouco mais de sorte, um barulhinho de chuva à noite na cama, para me envolver em edredons e sonhar sossegos... Afinal, é o que sobra em Carmo de Minas, cidadezinha pacata, sul mineira, situada no Circuito das Águas. Rasgando o véu desse cenário, eis que de repente,como um raio que bate na terra,um tremor acontece,um impacto,um susto.O verbo não pode mais vir no presente.Descobri nesses breves dias de férias, que “sobrava” é o tempo certo verbal. Carmo City, como costumam chamar os que dela são íntimos, foi assaltada pela violência que chegou ao interior. O sagrado foi profanado. Nesse fim de semana, uma tradicional família da cidade, teve sua casa invadida por marginais armados, que amarraram todos ali presentes e para além de tudo que levaram, o mais traumático, sem dúvida, foi a inocência, a ingenuidade, a tranqüilidade de um povinho que ainda se julgava imune e à margem do horror que uma circunstância como essa traz. O pavor tomou conta da cidade e de seus habitantes e o assunto principal na praça e no coreto é: quais serão as melhores estratégias de segurança? Cerca elétrica ou alarme integrado à sirene? Triste destino para quem dormia de portas e janelas abertas. Pobres cidadãos que não mais poderão escapar da paranóia que se instala a partir de um episódio como esse. A inquietação, a quebra de um regime vigente, são familiares àqueles que vivem nos grandes centros. Já nos acostumamos aos sobressaltos de um cotidiano atravessado pela violência, já somos paranóicos de carteirinha. Em Carmo City ainda se andava sem olhar para trás ou para os lados. Acabou-se o que era doce no sul de Minas, acabou-se o estar distraído, acabaram-se as fronteiras que dividiam o interior do exterior. Em todos os sentidos, num curto espaço de tempo, marcas e rabiscos obscuros ocuparam o inconsciente de quem ainda fumava cigarrinho de palha no portão de casa ou no banco do jardim. Nas cercanias dessa cidade, zumbis espreitam o silêncio das ruas, consumindo a sujeira da modernidade e assombrando o que resta de pureza nesse cantinho de mundo tão querido. Que dor, que perda, que merda...Até o joão- de- barro que fez casa na árvore, já deve estar procurando outro lugar para morar.Vou sentir saudades....