quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

UMA CASA NO CAMPO

Após um acúmulo de atividades que tornou meu corpo um cenário perfeito de exaustão,sobraram estilhaços que cheirando a suor e cansaço, só ansiavam por uma possibilidade: minha casa no campo,para onde eu pudesse levar meus discos e livros e essa vontade absurda de dormir, dormir, dormir, dias e noites emaranhados, como uma eremita em sua caverna, desfrutando do silêncio, do frescor que habita essa casa e que minha alma precisava, desesperadamente, experimentar.Longe dos excessos e do calor senegalesco desse fim de ano no Rio, minha aspiração maior tornou-se uma outra ordem de escuta, propiciada pelas escandalosas maritacas que devoraram a fiação do telhado, os festivos sabiás e beija-flores equilibristas. Na rede, na varanda, na grama, tudo o que queria era paz e contemplação de hortências associadas a verdes múltiplos em sua exuberância de época. Com um pouco mais de sorte, um barulhinho de chuva à noite na cama, para me envolver em edredons e sonhar sossegos... Afinal, é o que sobra em Carmo de Minas, cidadezinha pacata, sul mineira, situada no Circuito das Águas. Rasgando o véu desse cenário, eis que de repente,como um raio que bate na terra,um tremor acontece,um impacto,um susto.O verbo não pode mais vir no presente.Descobri nesses breves dias de férias, que “sobrava” é o tempo certo verbal. Carmo City, como costumam chamar os que dela são íntimos, foi assaltada pela violência que chegou ao interior. O sagrado foi profanado. Nesse fim de semana, uma tradicional família da cidade, teve sua casa invadida por marginais armados, que amarraram todos ali presentes e para além de tudo que levaram, o mais traumático, sem dúvida, foi a inocência, a ingenuidade, a tranqüilidade de um povinho que ainda se julgava imune e à margem do horror que uma circunstância como essa traz. O pavor tomou conta da cidade e de seus habitantes e o assunto principal na praça e no coreto é: quais serão as melhores estratégias de segurança? Cerca elétrica ou alarme integrado à sirene? Triste destino para quem dormia de portas e janelas abertas. Pobres cidadãos que não mais poderão escapar da paranóia que se instala a partir de um episódio como esse. A inquietação, a quebra de um regime vigente, são familiares àqueles que vivem nos grandes centros. Já nos acostumamos aos sobressaltos de um cotidiano atravessado pela violência, já somos paranóicos de carteirinha. Em Carmo City ainda se andava sem olhar para trás ou para os lados. Acabou-se o que era doce no sul de Minas, acabou-se o estar distraído, acabaram-se as fronteiras que dividiam o interior do exterior. Em todos os sentidos, num curto espaço de tempo, marcas e rabiscos obscuros ocuparam o inconsciente de quem ainda fumava cigarrinho de palha no portão de casa ou no banco do jardim. Nas cercanias dessa cidade, zumbis espreitam o silêncio das ruas, consumindo a sujeira da modernidade e assombrando o que resta de pureza nesse cantinho de mundo tão querido. Que dor, que perda, que merda...Até o joão- de- barro que fez casa na árvore, já deve estar procurando outro lugar para morar.Vou sentir saudades....