HISTÓRIAS NÃO REGISTRADAS
João Bosco Araújo*
Conversando “miolo de pote” com a prima querida, nascida e criada no Rio de Janeiro, fora da minha vista havia muitos anos, regozijava-me com seu riso solto e ruidoso, a cada “causo” contado, todos eles ligados ao “folclore baré”, geralmente impregnado da leseira, também baré.
Quebrou o ritmo do papo a sua insistente sugestão de que eram fatos que precisavam ser registrados em livro. Na verdade, acho eu, não mereceriam um livro e nem um livro os mereceria. Quem sabe, quando muito, poderiam passar de miolo de pote a miolo de um folheto de cordel, daqueles que os nordestinos produzem em abundância.
De qualquer forma, como a uma prima fraterna que esteve indelevelmente presente na minha história de vida não é possível simplesmente recusar algo, cedo aqui ao seu capricho e registro alguns desses episódios hilários, a priori pedindo perdão a algum familiar dos personagens que venha a se ofender. Fique a certeza de que não houve outra intenção, senão a de agradar à prima.
EPISÓDIO I – O barbeiro Colares, lá da Rua Henrique Martins, que tinha entre os seus clientes o interventor Álvaro Maia, soube que o governante viajaria à Itália e seria recebido, no Vaticano, por Sua Santidade, o Papa Pio XII. Como o barbeiro tinha um filho ordenado padre, esperou a costumeira visita de Álvaro para pedir-lhe que intercedesse junto ao Papa a fim de conseguir para o filho uma promoção a bispo. O “Cabeleira”, como bom político, prometeu fazer o pedido, mas, naturalmente, logo esqueceu o prometido.
Quando retornou, Álvaro Maia foi cobrado na primeira visita à barbearia e não hesitou: - “Ocorreu que quando me ajoelhei para beijar o anel do Papa, S.S. passou a mão na minha cabeça e falou: Álvaro, que cabelo mal cortado! Com isso, não tive mais condição para fazer o pedido...”.
EPISÓDIO II – Gilberto Mestrinho, governador, dava uma entrevista numa televisão em S. Paulo a uma jornalista e defendia a caça aos jacarés, a fim de incrementar a exportação das valiosas peles. Arguido sobre o risco de extinção da espécie, afirmou com segurança que só no lago de Nhamundá havia 38.000 jacarés. Prosseguiu a entrevista e a moça perguntou sobre os yanomamis, que já tinham sido cerca de 200.000 e hoje seriam menos de 10.000. Foi quando o governador perguntou sobre quem tinha contado esses índios e a jornalista prontamente respondeu: - “A mesma pessoa que contou os seus jacarés”.
EPISÓDIO III – Cônego Alcides Peixoto, como de praxe, escolheu um caboclo encorpado para ser o Jesus na Paixão de Cristo que encenava anualmente na Praça da Igreja, em Itacoatiara. Dadas as instruções, quando, sob o sol insuportável, antes da morte, o Cristo pediu água, o lanceiro embebeu a esponja em cachaça para dar forças ao ator, espetou-a na lança e gritou: - “Queres água, toma fel”. Jesus sugou a esponja e gemeu do alto da cruz: -“Mais fel!”.
EPISÓDIO IV – Ah, prima, esqueci daquele governador que pediu sal ao RG do Norte e, ao receber em seu lugar uma carga de cal, lamentou publicamente: - “P... esqueci a cedilha”.
Aí vai, querida prima, alguma coisa do que pediste. O que foi possível, depois de muito espremer, botar neste exíguo espaço.
*Diretor Executivo do Amazonas EM TEMPO.
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