quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Ah, Hollywood...

Como todo e qualquer cinéfilo que se preze, lá estava eu domingo, com os olhos pregados na telinha para assistir a mais uma premiação do Oscar. Nesse ano, ao contrário dos outros em que simplesmente acompanho para não perder o hábito, havia uma razão mais consistente: queria torcer por Emmanuellle Riva, que sempre foi, para mim, um ícone, uma referência do que chamamos de “feminilidade”. Essa palavra se distingue de “feminino” que é ligado ao gênero e tem em seu bojo uma conexão com àquilo que se diferencia do fálico, do poder. Com sua elegância e classe, Emmanuelle exala delicadeza e força, traços que remetem à Fernanda Montenegro, nossa mais completa tradução artística.São tipos de beleza diferentes de Jane Fonda, por exemplo,que parece ter atravessado incólume o tempo, com seu corpinho de 30, no máximo e sua altivez de garça, que paira acima da degradação comum a todos os corpos.Jane “jantou” muitas atrizes jovens que desfilaram no tapete vermelho, com sua ousadia e charme. Voltando à premiação, que decepção. Entre todas as candidatas, óbvio que a que tinha o perfil mais clichê caiu nas graças dos poderosos produtores da máfia hollywoodiana. Ela estava programada para vencer e ocupar o lugar de queridinha da América, do “lado bom da vida”. Vestida para ser alçada à categoria de “estrela”, foi traída por seu inconsciente, que colocou-a de joelhos, aos pés do palco onde deveria ser o lugar de sua glória. Foi uma queda concreta e simbólica das injustiças produzidas pela máquina e pelos interesses financeiros da indústria cinematográfica. Não acho seu trabalho ruim, não tiro a qualidade dele, apenas parece que é tão infinitamente inferior à grandeza da composição do personagem de Madame Riva, da profundidade que a presença desta mulher suscita no espectador, que soa ridícula a escolha da academia (com letra minúscula de propósito.) O mesmo aconteceu com a nossa grande dama, Fernanda, que concorreu com “Central do Brasil” defendendo seu papel com uma interpretação leonina.Ganhou uma inexpressiva Gwyneth Paltrow, com um “Shakespeare apaixonado” e medíocre. Na ocasião, fui tomada pelo mesmo desprezo relativo aos critérios das escolhas oscarizadas. ”Disgusting”, dizem os ingleses. “Marmelada”, dizemos nós popularmente aqui. Vida longa para Madame Riva e nossa imensa Sra. Montenegro, que traduzem, como poucas, as dores e padecimentos da alma. A grande arte merece as duas. E nós também.O resto...é o resto.

COMENTÁRIOS
cara angela,
concordo totalmente com voce
eu vi a expressão da emanuelle riva na hora - disse tudo
um espanto, um patético instante do pior da cultura pop americana,
como foi disgusting ver um filme de ação ok
derrotar o django ou mesmo a história de pi - que tem muito mais ambição artistica e, por que não ? comercial - e a realizaram
o oscar é um circo de luxo e cafonice
e, muito, muito provinciano
bjs
nelson motta





quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

FACES ON THE BOOK

Dia desses, ao acaso, um livro chamado “# Vertigem Digital” veio parar em minhas mãos. Ele foi escrito por um dos empresários pioneiros do Vale do Silício, Andrew Keen, que de forma surpreendente, ao invés de “vender seu peixe” ,questiona e investiga profundamente, as transformações produzidas nas subjetividades contemporâneas a partir da sobrecarga desse excesso de conexão e informação,a ponto de afirmar que as redes sociais estão “fragilizando, dividindo e desorientando seus usuários”. O título do livro não é aleatório, pois é à uma outra ordem de vertigem que Keen se remete: à Hitchcock e seu filme “Vertigo, em português “ Um corpo que cai”. Através de uma linguagem acessível, o autor ousa se lançar num outro extremo de seu mercado e mergulhar numa análise absolutamente crítica dos estragos existenciais constatados por essa superexposição. Ele caminha numa espécie de contrafluxo de seus interesses comerciais e traz à cena uma contribuição impecável e preciosa para nós, psicanalistas, das entranhas dessa “epidemia de partilhamento exagerado”que assola o mundo. Ironicamente, ainda, ele afirma que Mark Zuckerberg ,ao realizar seu delírio de acabar com a solidão humana, afirmando que “não importa onde vc vá, queremos garantir que toda experiência que vc tenha seja social”, ignora a necessidade intrínseca de alguns seres de ficarem sós, além de montar a mais assustadora máquina de espionagem transformando em realidade os sonhos da CIA. Nunca tantas informações particulares circularam com tal facilidade. Dados pessoais, interesses, perspectivas, hábitos, paixões, confissões,traições, pontos de vista, objetivos, enfim, a história de vida de milhares de pessoas passou a ser acessada com um clique.O surto- narcisista- desesperador dos desamparados da vez, colocou na rede a mais completa base de dados sobre as pessoas, transformando em amadoras, as mais tradicionais táticas de controle já elaboradas. Dos hábitos sexuais à mais banal notícia, como a comida que alguém está digerindo naquele momento, a foto da viagem do cachorrinho da vizinha, tudo que não interessa a ninguém a não ser àquele que faz a postagem, deram à comunicação, uma transparência de caráter totalmente ilusório, maníaco e fútil, salvo raras exceções. São várias as faces e as máscaras navegantes. São múltiplas as personas à deriva, é chocante a falta de um mínimo de bom senso, às vezes. Como diz. Andrew Keen, “a sociedade em rede se tornou um bacanal transparente, uma orgia de compartilhamentos” Entre tantas questões levantadas por @ajkeen, fica difícil a tarefa de decidir qual delas priorizar, em termos de contribuiçáo à teorização clínica. Que a tecnologia digital aplicada por Zuckerberg veio para esmagar uma das coisas mais sagradas da vida, a privacidade, parece claro para muitos, mas o que de fato se quer aqui abordar, é o quanto exalam na rede o vazio,o sofrimento,as feridas narcísicas,as fragilidades egóícas, o masoquismo,o sadismo e muita, muita solidão. Evidentemente, que paralelo à esses sintomas muita coisa boa acontece. As redes retratam o que há de mais humano na vida, o bem e o mal. Tanto podem ser zonas de perigo, como o paraíso para quem quer ganhar visibilidade, conhecimento e amigos. É um lugar onde, legitimamente, os encontros se fazem? Óbvio! É um recurso, uma ferramenta para trocas de idéias? Claro! Mas é também um campo fértil para as perversões, para as compulsões, para as paranóias e outras sintomatologias. As pessoas se dilaceram no uso das redes,quando se trata de relações amorosas destrutivas, mas em compensação têm ganhos secundários, gastando seus excessos pulsionais, preenchendo crateras e atingindo alvos fáceis.O exercício compulsivo da exterioridade lançou para um lugar bem distante a possibilidade de constituição de uma interioridade mais consistente.Todos ficam fora de si, literalmente voltados para além das suas profundezas, porque essa tempestade de informações vem a serviço, também, de uma certa ignorância sobre si mesmo, de um distanciamento daquilo que não se quer saber.É mais fácil jogar na rede, o que vier é peixe. Assim como todo exterior lhe oculta o interior,todo ser é com efeito tão irredutível à soma de suas aparências, que tudo que vemos dele pode não exprimir nenhuma verdade a seu respeito . É com essa multiplicidade de faces que lidamos no book. Assisti, recentemente, a uma excelente entrevista na Globo News com um rabino, Adin Steinsaltz, homem sábio. Transcrevo, aqui, algumas considerações feitas por ele face aos excessos que nos assolam:"Temos cada vez mais poder e menos sanidade", referindo-se ao absurdo fluxo de informações que chega até nós ."Um pouco de chuva é bem vinda.Seu excesso causa desastres, desabamentos. Mesmo para um homem sábio e culto , a melhor coisa a fazer é nunca responder, nem afirmar. Nenhum sabichão está livre de falar a grande besteira da vida.O único caminho sábio para ficar sempre bem na fita, portanto, é o silêncio voluntário. Não como forma de protesto, mas como forma de defesa contra o inevitável vexame que está permanentemente à espreita" .Steinsaltz denuncia a banalização da palavra e alerta para o ridículo que pode advir dessa falta de cuidado de si, dessa ânsia de aparecer, desse nível de mediocridade. Em “Cartas à Theo”, Van Gogh, sem jamais imaginar o valor que seus trabalhos teriam no futuro, manda um recado às “celebridades” atuais: “Pois bem, este é o meu forte, fazer um homem tosco numa única sessão,Assim fazendo será que eu ganharia tanto como artista quanto perderia como homem?Se eu acreditasse nisso, seria um maluco famoso, mas como você pode ver, não tenho suficiente ambição por este tipo de glória para pôr lenha na fogueira”.