sábado, 6 de julho de 2013

HANNAH, FREUD E O BRASIL CONTEMPORÂNEO


            Acabo de sair do cinema com o coração ainda arrebatado pela figura emblemática de Hannah Arendt e pensando na coincidência deste filme ser lançado exatamente neste momento político tão significativo para o Brasil.
         ”O homem perdeu a fé em si mesmo como parceiro de seus pensamentos.
          Essa frase dita por Hannah expressa o cerne de sua batalha e é o foco do filme. Ela foi execrada ao afirmar que Eichmann era um simples homem medíocre, que perdera a capacidade de pensar, ao dissociar sua consciência moral de seus atos bárbaros. Ao ser julgado, ele alegou que “apenas cumpria seu dever” e a interpretação dela foi vista pelos judeus como uma absolvição do carrasco nazista. No entanto, o que ela fez foi apenas exercitar seu pensar, procurando entender o que levou aquele homem a não sentir culpa pelas monstruosidades que praticou. Ele era um mero burocrata alienado de qualquer possibilidade reflexiva. O privilégio do ato de pensar se impôs na escrita de Hannah e ela pagou um preço altíssimo por isso. Não é por uma questão aleatória que sua obra está provocando, além do filme, vários artigos e a busca de seus livros e sim, porque poucos pensadores políticos podem ser considerados tão visionários quanto essa extraordinária mulher, quando se trata de refletir sobre a movimentação popular contemporânea, face à política brasileira.. Envolvida pelos acontecimentos extremos de seu tempo, Arendt se chocou com a alienação e não se deixou paralisar. Pelo contrário, ao invés de uma posição contemplativa, escolheu o pensar como ação e modo de existência, produzindo uma obra fantástica que até hoje é um dos instrumentos mais fortes de reflexão sobre o espaço político. Sua escrita é o exemplo vivo de sua atividade, diante da tentativa de calar as vozes que denunciavam o progressivo surgimento de uma “estranha espécie de humanidade”. O vazio de autoridade e o abismo vertiginoso entre o governo e os anseios populares que vivemos hoje, tornam-se mais assustadores ainda, ao contato com o pensamento de Hannah Arendt, por sabermos os  desdobramento desse estado de coisas.. Ela sabia que o distanciamento entre as instituições públicas e o homem comum era o caminho mais curto para a alienação. e que o uso do poder de forma perversa e abusiva, era um forte instrumento de manipulação  e inibição  do  livre pensar do homem.  Nascida em 1906, em plena Alemanha fragmentada, constituiu como uma de suas atividades mais contundentes, a incansável tentativa de entender as bases que desencadearam o totalitarismo. Ao denunciar a usurpação obscena da verdadeira política, ela produziu, como poucos, uma análise “mediúnica” dos acontecimentos contemporâneos. É como se ela estivesse vivendo o nosso aqui e agora, nos alertando para o fato de que a ausência do verdadeiro pensar-político pode ser a lacuna ideal para uma tragédia maior. Havia nela uma impaciência com os intelectuais de sua época, que pareciam não enxergar as evidências e a gravidade do que estava acontecendo. Ela cobrava deles uma posição diante da dolorosa constatação de que uma acelerada transmutação de valores e quebra de tradições estava mudando o curso da história. E isso a apavorava. Ela intuia que nessa descontinuidade, morava o risco da perda de toda e qualquer dignidade do domínio político e que era preciso uma ação radical que interditasse o que ela, com toda propriedade, intitulou de “banalidade do mal”. A corrupção no Brasil e a impunidade reinante são exemplos perfeitos dessa expressão. “As Origens do Totalitarismo” (1951) e “A condição humana” (1958 ), funcionam como legado de sua obra e fonte inesgotável para se pensar nossa época, plena de questões extremamente perturbadoras.      
        Tanto Freud como Hannah se inseriram na história através de um pensamento critico, contribuindo de forma inestimável para o atravessamento dos discursos políticos. Na atualidade, Giorgio Agambem alerta que uma democracia só sobrevive se o seu fundamento, o povo, enquanto corpo político,  estiver atento e ativo. Segundo ele, as novas relações biopolíticas entre indivíduos e Estado transformaram o que se convencionou chamar de povo, em população. A massa que invadiu as ruas do país, finalmente saiu desse lugar e mostrou que não está disposta a se submeter mais aos desmandos vergonhosos dos podres poderes. Freud, em “ O Futuro de uma Ilusão” dizia que “as massas podem ser induzidas ao trabalho e a suportar as renúncias que a existência impõe, se forem influenciados por indivíduos que possam fornecer um exemplo e a quem reconheçam como líderes”. A percepção profunda dele sobre as massas não tinha um caráter moral. Ele estava pensando em intensidades e já antevia que essas forças, à deriva, poderiam ganhar formas expressivas revolucionárias por conta de sua potência e indeterminação. Freud e Marx nos ensinaram que toda e qualquer teoria não tem validade se não for a expressão de uma prática social, continuamente refletida e interrogada e os principais conceitos freudianos não podem estar circunscritos, apenas, aos limites do psiquismo individual. É preciso se apropriar deles para a compreensão dos atuais fenômenos e dos elementos essenciais sobre a natureza  do vínculo social,. Derrida, numa de suas visitas ao Brasil, enfatizou o quanto precisamos repolitizar as coisas, já que o político não se reduz ao Estado. É preciso criar um novo conceito de política e que em oposição à soberania do Estado, a Psicanálise deveria defender a soberania do sujeito. Que os psicanalistas tomem para si esse alerta, entrando na cena política através do que ela tem de mais precioso, que é a capacidade de propiciar reflexões. Inclusive, para além dos divãs.