Existe
algo mais atual do que as histórias que atravessam os tempos e a vida? Hamlet,
Macbeth, Ricardo III ou Lear? Estamos de volta ao século XVI, com suas
tramas tecidas nas intrigas, na ambição, nos assassinatos, nas disputas de
poder, nas conspirações e traições urdidas na penumbra e nos porões dos
“castelos.” Quem matou Celso Daniel e supostamente, Teori Zawascky? Shakespeare
é totalmente contemporâneo. E Kurosawa sabia disso. Também Freud, no desenvolvimento
de suas idéias, pensou não apenas na arte em geral, mas nos sonhos como
experiência que leva o sonhador a recompô-lo e a relatá-lo em discurso.
Aproximamos, assim, sonhos e desejos, de um filme narrativo ou de um texto
literário, na medida em que é o desejo do autor que move a obra. Tal como
acontece na própria clínica psicanalítica. Merleau-Ponty, por exemplo, explora
essa relação como sendo uma espécie de "instâncias contemporâneas", que atualizam uma nova
percepção do homem-em-situação, ou uma nova concepção do olhar como atividade
dotada de sentido. Vários cineastas brincam com essas possibilidades, como é o
caso de Buñuel, que junto com Salvador Dali, produziu cenas surrealistas em ‘O
Cão Andaluz”. No filme, uma lâmina cortava um olho e essa cena foi baseada
num sonho de Buñuel, em que ele dizia ter visto uma nuvem cortando a lua.
Podemos nos interrogar, então, como suportar os pesadelos e tormentos surrealistas de nossa época? Só através da arte, quando o sujeito se
experimenta como sendo um outro, uma alteridade, que realiza uma experiência
psíquica reveladora do inconsciente. Só sendo “artistas em construção
permanente”, já que a dertrutividade é demasiadamente real e concreta. Freud
sabia disso e também, de que a pulsão de morte não se articula no registro da
linguagem, o que impõe ao sujeito a necessidade de inscrição num registro
simbólico. Isso coloca a psicanálise hoje, mais do que nunca, como um
instrumento precioso para se pensar a cultura e a experiência do homem com a
história. Assim como a escrita e o cinema, que são duas formas de criação e de
sublimação que ajudam a fazer com que o relacionamento entre ética e politica
seja aprofundado. Até porque a política no Brasil prima por uma dívida para com
a ética. Toda a melancolia e revolta que se abateram sobre nós enquanto povo,
toda a desesperança, fruto dos restos deixados pelos devoradores que usurparam
nossos impostos, nos conduzem a uma paisagem inóspita. Perdemos a crença na
magia que sempre revestiu nossas maiores expectativas. Nossos corações líricos
sangram, nossas vozes diariamente rugem ao ver as teias de aranha tecidas pelos
canalhas que destruíram nossos sonhos mais urgentes. Educação, saúde e
saneamento básico para a população. A ética virou cinzas, como o prédio
devastado pelo fogo em Londres. Um esqueleto a representa. A questão que se
coloca para mim, enquanto cidadã, é se assim como o meu texto, isso é
irrecuperável. Ou se existe algo subjacente a essa catástrofe que nos atinge,
que possa pulsionalmente ser re-criado. O “trono está manchado de sangue” sim,
sem dúvida. Cenas do teatro do absurdo, que é uma falsificação ao mesmo tempo
infame e inteligente da vida, nos afetam de forma trágica, uma vez que a
contaminação é plena, total e irrestrita. Todos os setores desse corpo social
estão sendo atingidos por um mar de lama premonitoriamente desencadeado pela
tragédia de Mariana. Nada é por acaso. Muitos estão fragmentados pela falta de
garantias e proteção social, o que pode ser visto como uma “dimensão existencial traumática ”, segundo Stolorow ( 2007). Mas a
capacidade de superação do Homen é indiscutível, vide a própria história da
humanidade. Somos um povo que tem como cerne de sua estruturação histórica,
organizações psíquicas muito mais voltadas para a esperança do que para o
desespero. A partir dessa concepção, apoio-me muito mais na força de um
pensamento criativo e nas nossas pulsões de vida, de que encontraremos saídas
dignas para esse espanto tão intenso.
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