As neuroses e overdoses de uma relação passional assaltam nossos sentidos e nos revelam muito do humano, demasiadamente humano. Existem encontros que se definem por uma frase do personagem de Vincent : "Você quer me deixar pela mesma razão que te atraiu em mim.", diz Georgio para sua mulher Tony. Ou seja, aquilo mesmo que atrai é o que inviabiliza. Há algo entre os dois que é irredutivel. Atração fatal, atração mortal. Vida pulsante, morte espreitante. Construção e destruição. Uma gangorra incessante, oscilante.
Georgio é o protótipo perfeito de um sedutor irresistível aos olhos de uma mulher, no caso Tony, vinda de uma relação que arrasou sua auto-estima. Ele é um caçador com pontaria certeira e ela a presa perfeita. Aliança vigorosa de dificil "desfazimento", como diria o poeta Manoel de Barros.
A diretora conduz de forma brilhante esse quebra cabeças que vai se engendrando , a medida em que Tony sofre um "acidente" e é obrigada a parar. Nessa parada obrigatória que o inconsciente lhe impõe, ela vai fazendo uma retrospectiva , uma refilmagem por outro ângulo dessa história: o encontro, a captura, a loucura, o fascinio reciproco, o auge e a queda progressiva.
Mais uma citação do filme: Georgio só consegue viver em forma de um eletrocardiograma de um paciente vital. O eletro linear de um paciente que está morrendo , ou seja, bip...bip... bip não lhe cabe.
Os diálogos e a rapidez com que ele se movimenta nos inquietam na cadeira, nos fazem até rir, tal a velocidade , o egoísmo, a arrogância com que ele muda de posição. Tony vive num mundo interno , onde os rítmos são outros e por mais que ela se esforce, não há como acompanhar a pulsionalidade violenta do parceiro.
Muitos casais não se dão conta , mas esse é um fator importantíssimo num relacionamento a dois: os rítmos de um jamais vâo ser exatamente o do outro. E quando falo de rítmo , falo da forma mais abrangente possível. Desde a fruição de uma comida à um orgasmo. Esse é um grande desafio num casamento, a sensibilidade e a percepção do tempo de cada um. Giorgio é um narcisista-modelo e Tony , uma histérica exemplar, que corre desesperadamente atrás do prejuízo , na tentativa de salvar o que talvez, sob determinados aspectos, jamais tenha salvação. Eles são adictos , a relação tem um caráter viciante e daí vem um dos principais recados da diretora Maiwenn: existem temporalidades conciliáveis e outras inconciliáveis. Não existe negociação possível, mesmo que o amor seja profundo demais. Ele não dá conta de tudo o que se passa entre dois seres que sustentam suas diferenças e suas visões de mundo.
Só a vida, a maturidade, a repetição do mesmo e uma insistência permanente de suportar as patologias recíprocas, é que podem parir a sustentabilidade de uma união verdadeira e para sempre instável.
A "estabilidade"só se encontra na Revista Caras ou nos relatos para a platéia.. Aliás, graças a Deus .O fato de oscilarmos permanentemente, em graus diversos, é óbvio, garante a nossa humanidade. Como bem diz Caetano :
"A vida é real e de viés"
Angela Villela
25/102016
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