domingo, 19 de junho de 2016

                          O ESTRANGEIRO                              

Foram muitos os artigos que li sobre a brutalidade do massacre em Orlando.Todos eles traziam um olhar predominante, voltado para a homossexualidade do agressor. Todos, sem exceção , com análises extremamente pertinentes, mas focados nesse ângulo.Obviamente, o episódio aguça as interpretações e tentativas de atribuição de sentido para àquilo que não temos como digerir e nomear.Por essa razão, vou tentar um  trilhamento que pode propiciar outra visão. 
A psicanálise permite-nos pensar sua relação com os acontecimentos traumáticos do mundo em que vivemos e, também, com outros saberes. A questão da estrangeridade me interessa em especial. Não no sentido literal da palavra, daquele que pertence a um outro lugar, a uma outra cultura, mas, sim, no sentido do estranho, do impossível de ser capturado , como um corpo estrangeiro inclusive para si próprio. O sujeito é um desconhecido em seu próprio território. Ele é um enigma indecifrável para si mesmo. Uma alteridade implicada no inconsciente. E é da mais absoluta proximidade que surge um outro. 
Nesse momento de recrudescimento do fanatismo e do racismo, a segregação e a intolerância tem trazido à tona um mal estar como sintoma social. Sabemos, através de Freud, que o fundamento de todo amor é narcísico. É preciso, minimamente, recebê-lo, para podermos nos sentir pertencentes e vinculados aos nossos semelhantes, ao nosso próximo para nos amarmos igualmente. Quando isso não acontece, somos não só segregados socialmente, mas segregamos dentro de nós o que pode impedir que sejamos aceitos no mundo em que vivemos. Temos a ânsia do pertencimento. Só que no totalitarisno da modernidade, a questão da diferença está mais acirrada do que nunca. Como para o racista e o pensador totalitário é impossivel reconhecer outras formas de ser senão as que ele próprio reconhece, o que resulta disso é o ódio a todo e qualquer tipo de diferença. Até porque, ainda segundo Freud, nesse ódio há algo de si próprio que é estranho , mas ao mesmo tempo familiar. Como se o outro fosse um duplo, uma parte de si mesmo absolutamente renegada, inadmissível em sua consciência porque foi segregada , tão recalcada que virou estrangeira . É um espectro ameaçador que agita as garantias de identidade assentadas. 
A presença de uma exterioridade que afeta a interioridade do sujeito é uma experiência dramática. O território intimo é transformado em região estrangeira. Por isso, aquilo que invade tem que ser eliminado.Na maioria das vezes, tragicamente, por ter um caráter de desconforto imenso, que causa uma profunda sensação de estranheza e de angústia, que remete o sujeito a  olhar para o abismo que o separa de sua própria existência e desejar morrer. Na pior das hipóteses, matar e morrer , num automatismo mental aniquilante. As marcas próprias do real são insuportáveis, já que o levam a pertencer a lugar nenhum. E aí ele precipita a perda . 
Pudesse esse rapaz, totalmente comprometido psiquicamente, dizer sim ao estrangeiro , ao estranho que o habitava e aliar-se a sua diferença e tudo teria sido .....diferente

Angela Villela 

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