domingo, 29 de julho de 2012

INHOTIM E O IMPÉRIO DOS SENTIDOS

Final de semana em Belo Horizonte.
Uma sobrinha que chegara da Itália após um ano de distância, família reunida, afetos desdobrados e uma cidade que adoro, dando contorno à muitas saudades e papos para colocar em dia.Sensibilidades, portanto,à flor da pele. Poros abertos para as profundidades em perspectiva.
Para além disso tudo,finalmente,a oportunidade de conhecer um dos maiores patrimônios que esse país tem a oferecer ao mundo: Inhotim, um museu a céu aberto,cuja maior obra de arte é a própria natureza, um êxtase na sua força e esplendor, na sua harmonia estética, onde imagens exuberantes, fundidas/confundidas na extensão de um espaço luminoso, não sofrem qualquer tipo de desperdício em suas interferências assombrosas. Numa época em que poucas coisas aderem à vida, a intensidade da criação se mostra intacta e uma força latente,avessa à destrutividade do homem, nos coloca em contato com nossos sentidos mais apurados.Inhotim não é apenas para os olhos, é para as visceras.Não é para a inteligibilidade e sim para as sensibilidades que se abrem para a inexatidão. Para Bernardo Paz, o idealizador de Inhotim,o arquitetõnico parece ser de outra ordem. Ele não permite que nos afastemos das percepções sensíveis, em benefício das percepções tecnológicas, no limite da inteligibilidade.I nhotim é profundamente desestabilizador em sua harmonia, acaba com certezas e nos enche de dúvidas.Através de grandes planos, experimentamos várias sensações determinantes de nossa existência e asseguramo-nos de que aquilo é um grande e insuspeitado espaço de liberdade. É como se ali houvesse uma explosão de sentidos, que nos permite viagens transcedentais, numa súbita multiplicação da matéria, sem que minimamente ocorra a "industrialização do belo" tão temida por Walter Benjamin.Somos alimentados por imagens que não provém da mera observação direta ou da visualização ótica, mas sim dos efeitos das obras no corpo do observador. Há uma reversão de significação, já que devemos, supostamente, perder o fio de nossos raciocínios e sofrermos os impactos que o local produz. Inconsciente e poros abertos no percurso que se nos abre, vivemos o fenômeno da arte, ou seja, temos as próprias noções de espaço e tempo invalidadas. Entramos no território da profundidade, numa relação que não se reduz à experimentação ocular. Pisamos em vidros, atravessamos barreiras de arame farpado, sentamos em cadeiras que são mesas, temos nossas retinas atingidas por corpos mutilados, desrealizamos o convencional e o ideal. A interface que anula a separação clássica das posições observador/observado, abre uma outra configuração instantânea, em que ambos são acoplados numa linguagem codificada (inconsciente) e ao mesmo tempo ambígua, já que são estrangeiras umas às outras, pela interpretação subjetiva das formas. Por isso, a arte é tão próxima e cara à psicanálise, pois ambas nos fazem encontrar outros caminhos discursivos.
Entre tantos infortúnios por nós herdados, inclusive políticos, deve-se admitir que a maior liberdade de espírito que podemos nos conceder, é não reduzir a imaginação à servidão, pois só ela dá conta do que "pode ser".Os acontecimentos estão lá, os tons, os sons, os rítmos e os encontramos de passagem, através de um universo infinito de sensações que expandem nosso ser. A multiplicação das performances esconde sempre um "a mais", a representação formal sendo nada mais do que uma redução entre tantas outras possíveis.
Gustave Flaubert dizia que "quanto mais telescópios forem aperfeiçoados, mais estrelas surgirão."
Flaubert e Freud adorariam Inhotim...

Nenhum comentário: