quarta-feira, 7 de março de 2012

ANGELINA JOLIE E A SAPUCAÍ

Fevereiro é um mês dionisiaco no Brasil, pelos dias ensolarados que iluminam esse excesso pulsional dos trópicos, intensificado pelo clima carnavalesco que invade o país. Como disse Bataille a respeito do erotismo,"desse transe de órgãos que desarruma uma ordem, um sistema."
A sexualidade desabrida dos brasileiros espanta os estrangeiros,criando
sempre um imaginário de possibilidades hibridas, a partir dessa miscigenação persistente e pelas manifestações explosivas que impregnam as narrativas e relatos dos viajantes, desde os primeiros que aqui chegaram. Se Hemingway dizia que Paris é uma festa,o que diria ele dessa orgia coletiva que toma de assalto milhões de pessoas , desse ar quente que traz uma "luxúria pegajenta" (Gilberto Freyre), em oposição ao frio seco e árido de outros polos do planeta?
Nesse contexto carnavalesco, o corpo mais do que nunca é um lugar, uma espécie de palco onde se encenam múltiplos eventos. As fantasias se materializam e as máscaras correm à solta."Seja vc quem for, seja o que Deus quiser...." já dizia uma velha canção. O carnaval libera vários outros que guardamos dentro de nós.Só que tudo acaba na quarta -feira de cinzas. Ou não?
No contexto surreal em que vivemos hoje, onde a ficção cada vez mais se confunde com o real,o que sobra, por exemplo de verdade em um corpo? Aliás, nunca se falou tanto em corpo e nunca faltou tanto corpo. Farsas, montagens, próteses , sim, é com o que mais nos deparamos.A maioria é regida pelo "princípio do dever", pelo "eu tenho que ", provenientes das exigências estéticas que vem do mundo exterior e que produzem um adestramento rígido do corpo, sendo este submetido a uma disciplina férrea ligada ao "princípio do desempenho" , que tanto agrega quanto segrega, inclui ou exclui ao mesmo tempo.Quem consegue escapar dessa homogeneização e se libera desse "dever ", tem que estar preparado para pagar o preço da autonomia. Existe uma frase de Merleau-Ponty que é bem apropriada a essa perspectiva: "Se se trata do corpo do outro ou de meu próprio, não tenho como conhecê-lo senão vivendo-o, quer dizer, retomar por minha conta o drama que o atravessa e me confundir com ele."
Lembro-me de uma cena fantástica ao final do filme "Ligações Perigosas", em que Glenn Close, numa interpretação soberba, senta-se diante de um espelho e começa a retirar a maquiagem da Marquesa de Merteuil e a expressão que surge é a do desespero, da infelicidade e horror que aquele excesso excondia.A dura experiência com a falha que divide a superfície da profundidade corporal, é encenada magistralmente pela atriz. A distância fria que a separava de si própria é percorrida e suprimida nesse des-mascaramento e a realidade de sua monstruosa existência se revela.
O simbolismo da cena é forte, porque todos usamos máscaras.Das mais diversas formas e circunstãncias.Muitas vezes encobrimos a raiva com um sorriso, a dor com o humor, a amargura com uma piada, a decepção com o cinismo e por aí vamos...O que dizer, então, das máscaras dos políticos corruptos, com seus sórdidos sorrisos enquanto roubam descaradamente?
Haja máscara.
Nesse carnaval mesmo, um fenômeno que vem crescendo pouco a pouco, teve o auge de sua excerbação. Além das figuras hilárias de alguns blocos, o que mais me chamou a atenção foram as "botocudas e preenchidas". Angelina Jolie não veio ao carnaval do Rio e portanto, não pode imaginar que foi a inspiração mais intensa nas imagens midiáticas.Sua boca foi onipresente. Do baile do Copacabana Palace à Sapucaí, quase todas asmulheres desfilavam bocas e maçãs salientes em rostos protéticos e patéticos. A galera do Saara, ano que vem, pode faturar horrores, vendendo não só máscaras , mas bocas. Quem sabe, peles avulsas, também.
Nas breves zapeadas televisivas que dei, resguardada pelo sossego da Serra da Mantiqueira, confesso que ao cabo de um tempo estava exausta, pois aquelas caras esticadas e ampliadas como num filme em 3D pareciam alucinações , sem uma expressão que as diferenciasse. Rostos homogêneos e estereotipados, corpos siliconados em sua exibição farsesca.
Homens e mulheres que perderam o limite entre o ridículo e o real do tempo. Corpos que já foram desconstruídos e capturados pela imagem de um ideal que, cada vez mais, os desapropria de suas verdades temporais.
Pobres mortais!! Pobre exército de Brancaleones ,quixotescamente lutando contra os moinhos de vento.Xô, morte...

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